Transplante de fezes ou terapia bacteriana - em que consiste?
Transplante de fezes? A simples menção desse assunto pode parecer uma ideia esdrúxula e mesmo repugnante. No entanto, à medida que o assunto fica mais esclarecido, a ideia perde seu ar de estranheza. Em primeiro lugar, o que se deseja passar de uma pessoa para outra é a microbiota1 intestinal, que é, por definição, o conjunto de microrganismos que povoa o trato gastrointestinal humano.
Em condições normais, muitas bactérias presentes na flora intestinal não causam doenças e, além disso, ajudam na digestão2 de alguns alimentos, produzem vitaminas e protegem o trato gastrointestinal contra colonização por agentes agressores. E, como hoje se sabe, suas funções benéficas são bem mais amplas que essas, contribuindo, entre outras coisas, para o amadurecimento do sistema imunológico3 e para a produção de neurotransmissores, além de se presumir que possa contribuir no tratamento de algumas doenças. Daí se pode avaliar a importância que assume a falta dessas bactérias na flora intestinal!
Embora haja relatos de aplicação de tipos semelhantes de tratamento em animais (cavalos) desde há muitos anos, só recentemente ele passou a merecer um interesse mais definido da Medicina. O primeiro trabalho a respeito data de 1958. No Brasil, o tratamento foi feito pela primeira vez em 2013, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Leia sobre "Microbioma4 intestinal humano", "Probióticos5 e Prebióticos" e "Bactérias do bem - o que elas têm a oferecer".
O que é transplante de fezes?
O transplante de fezes é um procedimento que visa repor a flora intestinal normal a partir das fezes de um doador sadio. Algumas vezes também chamado de terapia bacteriana, o transplante de fezes é um tipo de tratamento médico experimental, embora já realizado algumas vezes nas últimas décadas a fim de tratar infecções6 intestinais causadas por bactérias resistentes. Em geral, ele é usado depois das tentativas mais simples, constantes de certos cuidados alimentares e do uso de prebióticos e probióticos5, terem falhado.
Essas fezes transplantadas contêm microrganismos “bons” em maior número que os microrganismos perniciosos e permitem que eles se desenvolvam no intestino do receptor, reequilibrando assim a flora intestinal.
Por que fazer transplante de fezes?
O transplante de fezes pode ser útil quando os antibióticos sozinhos não são suficientes para combater as infecções6 do trato intestinal. Por mais estranho que possa parecer, o que se deseja é usar bactérias para ajudar no tratamento de uma infecção7. O objetivo é regularizar o conjunto de inúmeras bactérias que vivem naturalmente no intestino porque elas são importantes para normalizar as funções intestinais.
Pode parecer paradoxal8 injetar-se bactérias para tratar uma infecção7, mas lembremos que nesse caso a normalidade corresponde a um predomínio de bactérias “boas” em relação às bactérias patógenas.
O transplante de fezes tem sido usado experimentalmente para tratar:
- Colite9 pseudomembranosa, inflamação10 e infecção7 do intestino causada pela bactéria11 Clostridium difficile.
- Doenças inflamatórias intestinais, como a doença de Crohn12 e a retocolite ulcerativa.
- Síndrome13 do intestino irritável.
- Obesidade14 e outras alterações do metabolismo15.
Além dessas condições, relacionadas diretamente com os intestinos16, o transplante de fezes tem sido empregado na melhoria dos sintomas17 do autismo e de doenças neurológicas, como a esclerose múltipla18, distonia19 mioclônica20, Alzheimer21 e doença de Parkinson22, embora ainda não haja certeza sobre a eficácia dessas práticas.
Além das doenças citadas, o transplante fecal tem sido estudado no tratamento e controle de outras doenças, como hepatite23 crônica, encefalopatia24 hepática25, doenças hematológicas imunes e no tratamento de infecções6 generalizadas causadas por bactérias resistentes.
Como se realiza o transplante de fezes?
Coleta-se as fezes de um doador sadio, preferentemente de um familiar ou pessoa íntima do receptor, que não tenha feito uso de antibiótico nos últimos 3 meses. O doador também não deve ter câncer26 ou estar em tratamento dessa doença. Essas fezes são analisadas em laboratório, para excluir possíveis germes inconvenientes. O doador também é testado para hepatite23, HIV27 e várias outras condições médicas.
As fezes são misturadas a uma solução apropriada, coadas e colocadas diretamente no intestino do receptor por via de uma sonda nasogástrica28 introduzida pela boca29 e que atinge o intestino delgado30, ou por meio de uma colonoscopia31 ou clister retal, por via anal, que atinge o intestino grosso32 (cólon33). O recebedor deve ter seu cólon33 previamente preparado com laxativos34, por via oral, a fim de eliminar todo o conteúdo fecal.
Veja também sobre "Doença de Crohn12", "Colite9 ulcerativa" e "Doença celíaca".
Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da U.S. National Library of Medicine e do Science Direct.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.