A hereditariedade nas principais doenças mentais
O que é hereditariedade1?
Denomina-se hereditariedade1, ou herança genética, ao fenômeno em que as características genéticas aparentes (fenótipo2) e inaparentes (genótipo3) são adquiridas dos antecedentes (pais) e transmitidas aos descendentes (filhos). Hereditariedade1 é, pois, o conjunto de processos biológicos que asseguram que cada ser vivo receba e transfira informações genéticas de uma geração para outra, através da reprodução4.
A herança de caraterísticas normais ou patológicas é transmitida de uma geração para outra através dos genes, localizados nos cromossomos5. Os seres humanos possuem 23 pares de cromossomos5 em cada célula6 somática. Desses, 22 pares são chamados de autossômicos e um par é composto pelos cromossomos5 sexuais (XX para mulheres e XY para homens)
Os alelos7 são variantes diferentes de um mesmo gene que ocupam posições correspondentes (lócus) nos cromossomos5 homólogos. Eles são responsáveis por determinar as características hereditárias de um organismo. Em outras palavras, enquanto o gene define uma determinada função ou característica (cor dos olhos8, por exemplo), os alelos7 representam as "versões" (variações) desse gene, determinando variações na manifestação da característica (olhos8 azuis, olhos8 pretos, olhos8 castanhos), dependendo da combinação de alelos7 herdada dos pais.
Um alelo9 pode ser dominante, se manifesta mesmo na presença de outro alelo9 diferente, ou recessivo, se só se manifesta quando presente em dose dupla (um alelo9 herdado de cada genitor).
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O que é hereditariedade1 nas doenças mentais?
A influência da hereditariedade1 nas doenças mentais é um tema amplamente abordado pela genética e pela psiquiatria. Estudos demonstram que diversos transtornos psiquiátricos possuem um componente genético significativo, embora fatores ambientais também desempenhem um papel crucial no desenvolvimento dessas condições. Em alguns quadros psiquiátricos, a influência da herança parece predominar sobre o ambiente; em outros, ao contrário, a influência do ambiente parece ter maior significação.
Geralmente, os transtornos mentais não são influenciados por um único gene, mas por uma interação complexa de múltiplos genes (herança poligênica) e fatores ambientais. Mesmo com um forte componente genético, os fatores ambientais capazes de influenciar no desenvolvimento das doenças mentais são os traumas na infância, o estresse crônico10, uso de substâncias psicoativas, as relações interpessoais e suporte social insuficientes, além de eventos de vida negativos, como perdas ou mudanças bruscas.
Quais doenças mentais sofrem uma maior influência da hereditariedade1?
Algumas doenças mentais possuem maior potencial de herdabilidade do que outras. Entre as doenças com forte influência genética destacam-se as seguintes.
A hereditariedade1 tem papel fundamental na esquizofrenia11, embora não seja um fator absoluto. A combinação de predisposição genética e influências ambientais determina o desenvolvimento da doença. Assim, a esquizofrenia11 não é puramente hereditária; mesmo com histórico familiar, o desenvolvimento da doença não é garantido, já que fatores ambientais são essenciais em sua expressão. Contudo, a doença apresenta forte componente genético, com herdabilidade estimada entre 60% e 80%, o que significa que grande parte da predisposição vem dos genes.
Diversos genes estão envolvidos, contribuindo individualmente para a vulnerabilidade à esquizofrenia11. A incidência12 na população geral é de cerca de 1%, mas aumenta para cerca de 10% se um dos pais for esquizofrênico. Gêmeos idênticos (monozigóticos) apresentam concordância entre 40% e 50%. Entre gêmeos dizigóticos e irmãos, o risco é de 10% a 15%. Em parentes distantes (tios, primos), o risco é menor, porém superior à média populacional.
Os fatores ambientais e epigenéticos mais relevantes para o surgimento da esquizofrenia11 incluem hipóxia13 durante o parto, infecções14 maternas, infecções14 virais durante a gestação, uso de substâncias psicoativas, estresse e trauma infantil, além de deficiências nutricionais no desenvolvimento fetal.
O transtorno bipolar é um dos transtornos psiquiátricos com maior herdabilidade. Estudos em famílias, gêmeos e adoções indicam que fatores genéticos desempenham um papel fortíssimo no desenvolvimento da doença, com herdabilidade estimada entre 70% e 90%. Indivíduos com parentes de primeiro grau (pais e irmãos) diagnosticados com transtorno bipolar apresentam risco 5 a 10 vezes maior de desenvolver a condição em comparação com a população geral, cuja prevalência15 varia entre 1% e 3%. Pesquisas mostram que, em gêmeos idênticos, a concordância varia entre 40% e 70%; já em gêmeos fraternos e irmãos, fica em torno de 5% a 10%.
Embora a depressão tenha influências ambientais marcantes, pesquisas indicam um componente genético significativo, com herdabilidade estimada entre 30% e 50%. A predisposição genética aumenta a vulnerabilidade individual, mas fatores ambientais e psicossociais são essenciais para o desenvolvimento da doença. Pessoas com parentes de primeiro grau com depressão têm risco 2 a 3 vezes maior de desenvolver a condição.
Alguns genes relacionados à regulação de neurotransmissores foram associados à depressão, como o gene 5-HTTLPR, envolvido na captação de serotonina, que pode aumentar a vulnerabilidade ao estresse.
A hereditariedade1 é importante nos transtornos de ansiedade, mas não exclusiva. Experiências adversas e estresse desempenham grande papel no desenvolvimento dessas condições. Estudos com gêmeos e famílias indicam uma herdabilidade moderada, variando entre 30% e 50%, dependendo do transtorno específico. Parentes de primeiro grau apresentam risco aumentado em comparação à população geral.
O transtorno de pânico e o transtorno de ansiedade generalizada possuem uma herdabilidade significativa, mas são fortemente influenciados por fatores ambientais.
A hereditariedade1 desempenha papel fundamental nesses transtornos do neurodesenvolvimento, apresentando alta herdabilidade, entre 70% e 90%. Em gêmeos idênticos, a concordância para o transtorno do espectro autista chega a 90%, enquanto em gêmeos fraternos é significativamente menor, porém ainda alta. Irmãos de indivíduos com autismo apresentam risco aproximadamente 20 vezes maior de desenvolver o transtorno em relação à população geral.
Além disso, outros transtornos neuropsiquiátricos são mais frequentes em familiares de pessoas com autismo.
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Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites do Instituto de Psiquiatria do Paraná e do National Institutes of Health.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.